labios rotos

Anos atrás, ainda adolescente escrevi uma carta desejando feliz aniversário a uma pessoa da família. Escolhi um papel de carta com cheiro de fruta e desenhos de lua e nuvens. Eu era incapaz de dizer olhando nos olhos da pessoa que eu a desejava um dia feliz, como se as palavras não saíssem pela garganta. Minha forma de se expressar sempre foi de maneira um pouco torta e estranha.
Joguei a carta nas mãos dela e saí correndo como um bicho do mato.
Com o decorrer do tempo comecei a escrever mais e mais, era assim que eu dizia a alguém que eu a amava.

Depois que aprendi a fotografar transferi um pouco dessa expressão para a fotografia. Registrar os momentos, o sorriso, quando a pessoa dorme e esta no mundo do sonhar, aquilo era uma coisa íntima que eu achava belíssima.
E quando alguém me permite olhar dentro dos olhos dela enquanto faço um retrato, era como dizer a ela que eu de certa forma a enxergava. E que a vida dela mesmo que só por aquele instante muito me interessava.

E ao escrever, as palavras sempre vem em português. Amo ouvir como soam as palavras, saudade, desejo, inefável, fascinante, nostalgia… e sei o quão o meu país ainda vive dentro de mim mesmo estando fora por algum tempo. Me expresso muito melhor na minha língua nativa.
Também morro de amores por certas palavras em espanhol como se elas soassem como mais força e poder.
Dolor, se rompió, hijo, abuela (meu deus como eu amo essa palavra), mirada, enamorada. E tantas outras.

Quando ouço grego me sinto num outro tempo. Vi um video de um garoto cantando músicas antigas gregas com o vô e achei tão bonito. Quando passei pela Grécia gostava de dizer “Kalimera” a toda gente.

Descobri que também gosto do italiano. E quando falo minha personalidade talvez mude um pouco. Como se em cada idioma pudéssemos ser uma pessoa um pouco diferente do que somos do lugar em que nascemos.

Um dia sonhei que estava com um menino nos meus braços e dizia de forma tão natural a ele, “você é o grande amor da minha vida, eu te amo com todo meu coração” – era meu filho. Acordei e ele não mais existia e senti uma tristeza no peito e pensei como poderia ser tão simples dizer as coisas a um outro ser humano em sonho, por que na vida real era tão difícil pra mim?

Quando me apaixono escrevo páginas e páginas sobre o sentimento, embora mesmo quando eu escreva para me declarar, essa declaração talvez seja também um pouco torta e estranha. Coisas nas entrelinhas fazendo com que a pessoa não entenda claramente que tudo aquilo era só para dizer “estou me apaixonando e estou queimando por dentro, acho que te amo”

Um dia escrevi uma música para o meu muso.
E o fotografei nu, dormindo, sorrindo.
Nos encontramos num país diferente. Pegar o avião para estar ao lado de alguém também era dizer que eu me importava.

“Quiero mirarte a los ojos”

E é bonito que mesmo entre maneiras tortas e esquisitas, ainda conseguimos entender outro alguém mesmo que não fale nossa língua.
Pelos olhos. Pelo tom de voz. Pela forma como se comporta ao nosso lado.




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