beleza oculta


Gosto de me observar como se eu fosse um espectador de mim mesma. Com o passar do tempo adquiro novos meios de lidar com a vida. De lidar com meus problemas e desafios. E preciso me observar e estar atenta. Tenho de me observar como alguém que me enxerga sem julgamentos e críticas.
Recentemente, corri para o mundo do cinema e assistia tudo o que conseguia. Fiquei obcecada pelo diretor “Wong Kar Wai”, a forma como ele mostrava ao mundo sua visão de vida. Cenas tremidas, timelapse, a complexidade dos personagens e como em meio ao caos em que eles viviam – eram belos a sua maneira. De certa forma, eu queria encontrar conforto nas histórias desses personagens, me sentir compreendida. Me sentia perdida tanto quanto eles. E muitas das vezes, agia de forma caótica atropelando tudo pela frente.
Procurava filmes de drama com personagens estranhos, silenciosos ou o completo oposto, os caóticos.
Assisti também “Mommy” do Xavier Dolan, um filme de 2014 que sempre esteve na minha lista, mas só o assisti de fato esse ano. Fiquei encantada com cada cena. Principalmente na cena quando o personagem que é complicado abre os braços se sentindo em liberdade. E a imagem da câmera se abre nos dando uma sensação de alivio. Eu quis gritar junto. Esse filme me tocou, me tocou mesmo. E me deu vontade de sentar numa mesa de café com o diretor e conversar sobre os personagens (alguns baseado nele mesmo) que ele criou. Fiz pesquisas sobre ele e o Kar Wai por dias. Queria saber mais desses diretores, porque eles tinham essa mente complexa, de onde vinham as inspirações, o que eles tinham vivido. Talvez eu seja um tipo de fã muito discreta, não dessas que se descabelam, que gritam ou querem tirar uma foto, ganhar um autografo. Tudo o que eu mais desejaria se pudesse, era ter ao menos quinze minutos de conversa com as pessoas que admiro. Ouvir o tom de voz delas, ver como elas gesticulam, e poder ouvir algumas de suas ideias.

Quando eu era adolescente, eu recorria aos livros. Era fã do Sidney Sheldon. Mais tarde comecei a gostar de livros auto biográficos. A vida das pessoas me interessavam muito, eu gostava de saber que elas erravam muito mas que de alguma forma davam sempre um jeito de encontrar seu caminho.
Lembro de ter lido “Cristiane F” e de como fiquei obcecada por ela. Nesse período da adolescência eu tinha uma obsessão por filmes e livros com historias de gente drogada. Eu tinha uma aversão a cocaína desde sempre, e nessa fase não tinha nem ao menos experimentado erva, mas eu queria entender o motivo das pessoas se auto destruírem através da droga.
Uma vez estava num banheiro de uma casa noturna alternativa e uma garota começou a dar em cima de mim, ela de repente abriu a bolsa, derramou o pó branco na mão e cheirou, os olhos estalados pra mim, tentando me conquistar, eu fiquei aterrorizada. Tinha uns vinte anos e era uma caipira boba que não estava acostumada com esse mundo. Saí correndo do banheiro. Aquela tinha sido a primeira vez que vi alguém usar cocaína na minha frente.

Quando mais nova eu também não conseguia processar muito bem as mudanças da minha vida, gostava de estar rodeada de pessoas. Tinha muitos amigos, gostava de estar em todos os lugares possíveis como se eu fosse onipresente. A forma como eu lidava com alguns desafios era sair por aí e esperar as surpresas do destino como se tudo pudesse acontecer quando eu saía de casa. De fato acontecia muita coisa, talvez porque eu acreditava tanto nisso que atraía coisas pelo caminho.
Um dia saí sozinha numa sexta feira e pensei “vamos ver o que vai acontecer, vida me surpreenda!”, não me lembro que horas voltei pra casa de tanta coisa que aconteceu.

Cheguei a uma fase que muitas vezes não suporto barulho e nem humanos. A forma como tento lidar com as coisas agora é colocar uma playlist e viajar pra longe na minha mente. Recorrer aos filmes, a séries, ascender velas e ficar olhando a chama por alguns minutos. Antes se eu estava em todos os lugares, agora é como se eu fosse um animal difícil de se ver e capturar. Quando entro no meu mood de enfrentar meus problemas, me torno quase intocável.

Olhando para trás, tive muitos momentos de coragem. A vida sempre pede mais de nós. E num momento um tanto recente me vi paralisada pelo medo. E me perguntei onde estava aquela pessoa mais corajosa que já fui. Não me sentia protagonista da minha própria vida, estava dando muito poder nas mãos de outras pessoas. O que é um erro perigoso. Queria e precisava acordar. Me vesti de vermelho novamente. Voltei a falar com as águas e com o fogo. Eu pedia caminhos mas quando alguma porta se abria eu ficava em frente a ela sem conseguir virar a chave.
Que bonito é poder abrir novas portas mesmo que pra isso tenhamos que fechar antigas. Havia uma beleza em trocar a própria pele.

Tento me aproximar do meu eu com paciência. A parte consciente que existe em mim sabe que sou um bicho arisco. E que precisava chegar sem barulho, sem pressa, sem julgamentos e estar aberta para o que eu ia encontrar e ver.
Lidar com nós mesmos é a coisa mais desafiadora – talvez, mas… é também a mais bonita.

Não eram só os livros auto biográficos que me interessam, gosto também de ler minha vida como se estivesse a ler um desses livros, onde a pessoa descobre os erros fatais, as complexidades, os vícios, e como a mente trabalha e porque trabalha daquela forma. Ler cada linha como se pudesse cada vez mais chegar perto de mim mesma.

Trilha sonora: finale (tango apasionado)- astor piazzolla





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